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Automutilação é indício de tristeza e solidão

Por Livia Rangel

Publicado em 23 de outubro de 2014 às 00:00

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Cortar a própria carne não é uma simples metáfora para muitos adolescentes. A disseminação da prática da automutilação, principalmente por meio das redes sociais, dá uma pista sobre um problema que preocupa um número crescente de especialistas e escolas.

Esse tipo de castigo autoinflingido por jovens para diminuir sofrimentos emocionais ou psicológicos, também é chamado de cutting e é reconhecido como um tipo de transtorno mental desde 2013. No Brasil, não existem estudos epidemiológicos sobre a automutilação, mas pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que a prática está ficando mais frequente na última década.

Psiquiatras já falam até em “epidemia”. E alertam: grande parte dos pais sequer percebe que os filhos têm se cortado com canivetes, lâminas de barbear e até de apontadores de lápis.

Em Guarapari, são vários os casos recentes. Em apenas uma entidade que trabalha com reforço escolar foram identificados 11 casos, todos em meninas. De acordo com Gilda Cândida, foi através de observação e do contato diário com essas jovens que foi possível identificar sinais de automotilação.

“Elas afirmam como se sentissem uma dor e tristeza muito forte e a forma que encontram para combatê-la é se cortando. Além disso, quando identificamos um caso, as amigas do mesmo ciclo de amizade normalmente aparecem com as mesmas marcas”, explica Gilda.

Foi com intuito de ajudar essas jovens que Gilda, desvinculada de qualquer entidade ou escola, recorreu a um psicanalista. Os atendimentos às jovens e também aos pais estão sendo realizados no espaço de uma igreja em Nova Guarapari com preço acessível que permita a continuidade do tratamento.

Dr. Guilherme Sielemann, psicanalista, afirma que em 100% dos casos das crianças que se mutilam, os motivos estão ligados à família. “A automotilação é resultado de um processo, em que ela já viu outra pessoa se machucando e ao se identificar, faz o mesmo. É importante destacar que o problema está dentro da escola porque é ali que a criança passa boa parte do seu dia. Por isso é essencial o engajamento dos educadores na identificação do problema, mas vale lembrar que este não é promovido no ambiente escolar, mas pelo o que aconteceu ou acontece dentro de casa”, explica.

Segundo o psicanalista, ao identificar o problema, o que normalmente se faz é responsabilidade alguém, os pais ou a escola. “Não podemos desconsiderar que a sociedade mudou. A mulher saiu de casa para trabalhar, o pai aumentou o volume de trabalho e tudo isso é fruto das mudanças da sociedade. O que devemos fazer diante disso é tentar priorizar ao máximo os filhos e abrir mão do que não é essencial no dia a dia para conseguirmos dar um pouco mais para eles. Um pouco mais de amor, um pouco mais de atenção e investir no relacionamento que é a chave para a prevenção e combate de qualquer problema”, orienta o Dr. Guilherme.

ATENÇÃO

O cutting não tem como objetivo chamar a atenção, mas é usado como um escape para aliviar a tensão. Quem o pratica não quer que os pais saibam, porque quer continuar usando esse “analgésico” para dor emocional. E quanto mais cedo o transtorno for tratado, maiores são as chances de a prática não se repetir.

Mas o que fazer ao perceber que seu filho está machucando a si mesmo? O mais importante é reconhecê-la como um transtorno mental que precisa de atenção e cuidado, por meio de avaliação psiquiátrica. Em casa, o apoio da família é essencial. Os pais não devem tratar o ato como passageiro, mas oferecer conforto e compreensão. A família precisa entender que é um problema e que existe tratamento.

Filmes e vídeos podem incentivar

A automutilação muitas vezes está relacionada a outros problemas psicológicos, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e transtornos alimentares. Até a influência da mídia pode iniciar um episódio de cutting, porque o adolescente fica sabendo que a prática existe por meio de filmes, seriados ou em vídeos na internet. Isso porque a adolescência é uma fase de experimentação, de modo que ver alguém se cortando pode ser suficiente para fazer também, seguir como se fosse uma “moda”.

Diante disso, o Dr. Guilherme reforça a importância de impor limites aos filhos, principalmente quanto ao horário e tipo de programação que as crianças estão tendo acesso via televisão e internet.

MEDIDAS

Transtornos mentais como o cutting não podem ser tratados apenas com medicamentos. O psicanalista orienta que os educadores acompanhem os alunos e as mudanças de comportamento. Caso identifiquem algo diferente, que façam contato com os pais e tomem providências no ambiente escolar, como por exemplo, ao identificar que um grupo de colegas apresentam indícios de automotilação, que os mude de sala e converse com esses jovens a modo que os oriente para que não torne o problema mais grave.

Para ajudar os educadores, a Secretaria de Educação está orientando as diretorias escolares e pais para que fiquem atentos a mudanças de comportamento e personalidades das crianças, como por exemplo, usar blusas de frio em dias muito quentes.

Ainda segundo a secretaria, as escolas que identificarem casos como este, os pais dos alunos serão chamados para contato com pedagogas para que providências sejam tomadas em conjunto. De acordo com informações da nota enviada pela Prefeitura, os alunos identificados com este transtorno estão sendo atendidos pela equipe Estratégia Saúde da Família (ESF) com uma psicóloga do Saúde Escolar. O número de casos identificados não foi divulgado, mas a prefeitura garante que já foram controlados.

Os pais devem ficar sempre em alerta, e mesmo se não forem procurados pela escola, ao notar qualquer mudança de comportamento dos seus filhos, que façam contato com a escola e busquem estar sempre informados quanto ao desenvolvimento do seu filho.

Ao identificar que o jovem apresente sinais de cutting, é ideal procurar um bom profissional, um psicólogo ou psiquiatra, que possa identificar as causas do problema no paciente e tratá-las. Contudo, é importante que essa iniciativa parta do próprio paciente, não sendo indicado forçá-lo à situação, o que poderia agravar seu quadro.

O melhor é que família e amigos o incentivem a procurar voluntariamente ajuda médica, e facilitem o acesso. A presença dos pais nessas consultas é imprescindível, porque essa é uma oportunidade do profissional tem de entender quais são os agentes motivadores do problema. O automutilador necessita, sobretudo, do apoio da família e dos amigos. Ele precisa desesperadamente sentir-se amado. 

É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, por qualquer meio, sem prévia autorização do FolhaOnline.es.

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