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274 famílias sobrevivem sem luz há 7 meses
Por Glenda Machado
Publicado em 4 de maio de 2015 às 19:13
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Mais de mil pessoas correm o risco de serem despejadas do loteamento Santa Arinda
Geladeira vazia, senão a comida estraga. Roupas torcidas no tanque, porque não tem como usar o tanquinho comprado com tanto esforço. Ventilador parado no chão do quarto, mesmo diante desse calor imensurável. Uma televisão de enfeite na sala e quatro crianças para cuidar a luz de velas. Esse é o cenário de quem chega à casa de dona Lucileia Teixeira Silva, 34 anos.
Ela é apenas uma das 274 famílias que estão vivendo – ou melhor – sobrevivendo há quase sete meses sem energia elétrica no Loteamento Santa Arinda, em Nova Guarapari. A Escelsa, em outubro, esteve no local para retirar as ligações clandestinas diante da decisão judicial que determina a desocupação e implantação de um parque municipal seguindo ação do Ministério Público Estadual.
É difícil imaginar mais de mil pessoas correndo o risco de serem despejadas, mesmo com contratos de compra e venda em mãos e impostos pagos em dia. A Associação de Moradores de Pontal de Santa Arinda está tentando junto aos órgãos regularizar o loteamento. Mas até lá, cada um vai se virando como pode, com velas, lanternas, baterias e até geradores.
“Nós compramos só o que vamos comer no dia, porque não tem onde guardar. As meninas trazem gelo da escola, para a gente ter um pouco de água gelada para beber. Não tem como dormir de tanto mosquito. Banho é de caneca mesmo, porque a água não tem força para subir direito na caixa”, esse é o desabafo de uma mãe desesperada.
Lucileia mora com as quatro filhas: Mirela de 11 anos, Franciele de 8, Ana Clara de 2 e Mikaela Vitória, de apenas 3 meses com necessidades especiais. O marido, seu Zonias Almeida, que é segurança, conta que são três velas por noite – isso porque para economizar, eles acendem apenas uma de cada vez. “Um pacote com oito está quase R$ 7,00. É mais de R$ 100 por mês só com vela”.
E mesmo diante de tanta dificuldade, o sorriso no rosto de cada um nos chama a atenção. É difícil não reparar. São pessoas simples e de bom coração, vivendo em uma situação desumana. A alegria das meninas é quando o pai faz “milagre”: liga o aparelho da TV na bateria do carro. Mas o olhar preocupado revela a sensação de impotência desse “super herói” aos olhos das filhas.
“Muita gente que tem casa própria aqui, saiu para pagar aluguel em outro lugar por causa da falta de luz. Eu não sei o que vou fazer. Comprei um terreninho aqui no loteamento no ano passado, mas não vou construir enquanto não resolver essa situação. Pagamos nossas contas tudo certinho e não temos o básico para oferecer a nossa família: a luz”, diz Zonias.
Casal gasta R$ 250 por mês com bateria
Mais de R$ 2 mil, esse foi o gasto com a aquisição de baterias e adaptadores para garantir o mínimo de conforto à noite. É o que conta o casal de pescadores Fátima e Almir Almeida. Mas garantem que não é artigo de luxo e só ligam quando há necessidade. A comida mesmo, por exemplo, eles estão guardando em outra casa já que não tem como manter a geladeira ligada.
“Cada um vai dando o seu jeitinho. Mas é muito caro, porque a bateria pequena dura uma noite e a grande, três. Aí tem que recarregar: a pequena custa R$ 10 e a grande, R$ 20. No final do mês é mais de R$ 250 para ter luz”, explica Almir. Indignados, eles contam que moram no loteamento há 10 anos e que juntos construíram tijolo sobre tijolo.
“Eu não abandono a minha casa. Se quiserem me tirar daqui, terão que me pagar. Porque comprei tudo com o suor do meu trabalho, ralei muito. Pago todas as minhas contas em dia”, ressalta Fátima. E nas mãos o contrato de compra e venda do terreno além dos carnês do IPTU quitados, inclusive o de 2015.
Afinal, de quem é a culpa?
Difícil encontrar um culpado e mais ainda difícil parece ser encontrar uma solução. Depois de anos vivendo com água e luz clandestinas, as famílias foram surpreendidas pelas equipes da Escelsa. Acompanhadas inclusive da polícia militar, eles estiveram no local em outubro para cumprir a ordem judicial de retirar todas as ligações clandestinas do loteamento.
“Nós tínhamos essa luz provisória com conhecimento das autoridades e em outubro, cortaram todos os ‘gatos’. Nós já pedimos à prefeitura, ao Iema, à Escelsa o que temos que fazer para regularizar a luz aqui, mas fica num jogo de empurra-empurra que nos deixa de mãos atadas”, explica o presidente da Associação de Moradores de Pontal de Santa Arinda, Milton Thiago.
Dona Fátima, inclusive, assim como diversos moradores, comprou os padrões para a instalação da energia elétrica indicado pela própria equipe da distribuidora de energia quando esteve no local. “A Escelsa disse para a gente comprar o padrão que em menos de um mês instalaria a rede elétrica. Eu comprei, está um salário inteiro meu ali, naquele poste e até hoje nada”.
A Escelsa explicou que “os pedidos de nova ligação de energia são atendidos dentro do prazo estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão que regulamenta o setor, desde que estejam em áreas legalizadas e regularizadas pelo poder público. E que subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: pena de reclusão de um a quatro anos e multa”.
Então, nossa equipe de reportagem foi tentar entender porque o loteamento não é regularizado. Afinal, de acordo com o presidente da associação, há famílias que moram no local há quase 40 anos. E, segundo ele, quando compraram os lotes – até então aprovados pela prefeitura – já tinha luz clandestina – o famoso “gato”.
O Iema esclarece que “há uma ação judicial que declara nulo o decreto de aprovação do loteamento e determina solidariamente à prefeitura e à imobiliária responsável a reparação da área com a retirada dos ocupantes do empreendimento, além de determinar ainda que o município implante através de decreto, o parque municipal na área em questão”.
Também consta em sua nota de esclarecimento que “não há solicitação por meio da prefeitura relacionada a este empreendimento. Apenas uma solicitação da associação de moradores pedindo informações sobre a área do loteamento e os procedimentos necessários para a regularização do local. Contudo, como a prefeitura já realiza o licenciamento ambiental deste tipo de empreendimento, os moradores foram orientados a procurar a própria administração municipal”.
A prefeitura, por meio do secretário de Planejamento Rural e Urbano (Semprad), José Antônio Chalhub Júnior, ressalta que “o juiz acatou a decisão do Ministério Público Estadual de retirar a população do loteamento por se tratar de um parque público municipal. Nós fizemos um apelo à Escelsa pedindo que fizessem a ligação regular para os moradores até que a situação fosse resolvida na justiça. Mas a empresa entendeu que seria um desrespeito à ação judicial”.
Quanto à cobrança do IPTU, o secretário explica que “se trata apenas de um cadastro municipal para fins de pagamentos de tributos referentes aos serviços públicos, como coleta de lixo e taxa de iluminação pública. Mas não significa propriedade nem posse, muito menos regularização nem legalidade do loteamento”. Enquanto isso, mais de mil pessoas sobrevivem sem luz em pleno século XXI.
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