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Mais de 50 idosos podem ficar sem abrigo
Por Livia Rangel
Publicado em 26 de novembro de 2014 às 00:00
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Uma entidade sem fins lucrativos que há 28 anos dedica-se a cuidar de vovôs e vovós que, por motivos diversos, não podem ficar mais com suas famílias, pode ter que fechar suas portas em breve. Localizado no bairro Lagoa Funda, o Recanto dos Idosos Santo Antônio, está envolto em uma série de dívidas, processos e privações, causadas principalmente pela falta de sensibilidade do poder público e também da sociedade.
“Desde 2012, a provação está sendo muito grande”, lamenta a irmã Maria do Rosário, uma das freiras que dirigem o asilo. Ela já trabalha no local há 25 anos (“metade da minha vida religiosa”, ressalta), e se recusa a entregar os pontos. “Não sei, não quero nem imaginar o que será desses velhinhos se a gente tiver que parar”. São atualmente 54 internos, 28 mulheres e 26 homens.
No dia 9 de setembro, o asilo recebeu uma notificação da Vigilância Sanitária Municipal solicitando uma série de adequações, como instalação de barras de apoio de aço inox nos banheiros e corredores, aumento no número de funcionários, serviço de transporte e remoção dos internos, local para esterilização de materiais de saúde e instalação de sistema de luz de vigília e alarmes. Até mesmo a presença de materiais de limpeza sem rótulo foi criticada na lista com mais de 20 itens, assinada pela técnica da Secretaria Municipal de Saúde, Katia Andrade.
Desde julho, o local também vem enfrentando problemas judiciais, via um processo aberto pelo promotor de justiça Saul Mameri. Por não estar em acordo com a legislação vigente que pede, por exemplo, um funcionário para cada seis internos, e os próprios alvarás de funcionamento do Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária, o asilo corre risco de ter de parar de funcionar ou ainda pagar uma multa de R$ 5 mil diários se não cumprir um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público e Prefeitura.
“Nosso advogado conseguiu adiar a assinatura do TAC para que a gente consiga fazer mais adequações, mas não sabemos por quanto tempo. Depois que o documento for assinado, teremos um prazo 90 dias para cumprirmos todas as exigências e se não fizermos, será R$ 5 mil a mais por dia nas nossas contas a pagar. Imagine, como nós que dependemos de doação e voluntários para tudo, conseguiremos esse dinheiro todo!?”.
A irmã reafirma que sabe que a maioria dos pedidos é cabível, mas não há condições de arcar com os custos. Ela também reclama da falta de sensibilidade. “Criança tem tudo, mas o idoso é esquecido. O que a gente consegue fazer, a gente faz, mas é muito difícil. Em todos os meus anos aqui, nunca passei por tanta dificuldade, mas ver esses velhinhos é o que me motiva a continuar. Gosto muito de trabalhar com eles e quem dera eu pudesse montar um palácio para todos viverem”.
Convênios e dívidas. O Recanto Santo Antônio possui convênio com a Prefeitura de Guarapari, mas apenas para o pagamento das contas de energia elétrica e água e da metade do salário dos 24 funcionários. “Os encargos sociais ficam por nossa conta, como INSS, Pis, 13º, entre outros. E aí está um dos nossos maiores problemas. Somente estas dívidas já estão em um valor de mais de R$ 30 mil, fora os R$ 10 mil que também devemos em itens de farmácia”.
A irmã lembra que até a gestão passada, a municipalidade também pagava o combustível do veículo usado pelo asilo, mas o atual prefeito não renovou. “E mesmo assim obrigam que a gente tenha uma ambulância própria, para transportar os velhinhos em caso de emergência de saúde, mas com que dinheiro? E a própria gasolina e a manutenção?”, questiona a religiosa.
Até a comunicação com o asilo está prejudicada. Os fios de telefone estão com problemas e o único computador do local não liga e precisa de formatação. “Não temos como pagar nem um técnico de informática”.
Por tudo isso, ela pede a colaboração de empresários e de trabalhadores voluntários, desde pedreiros, eletricistas e pintores – para auxiliarem nas mudanças estruturais solicitadas pelo TAC – até cuidadores e psicólogos, já que muitos idosos têm a saúde muito comprometida, alguns com Alzheimer ou em depressão. “Alimentos, graças a Deus, temos suficiente. Várias igrejas e entidades fazem campanhas e assim garantem as nossas refeições. Mas ainda temos carência de fraldas geriátricas, luvas e produtos de higiene pessoal”, enumera.
Em nota, a Secretaria Municipal de Administração e Gestão de Recursos Humanos informou que o convênio de referente ao abastecimento veicular venceu recentemente e, por este motivo, está em processo de regularização. Referente ao repasse de água e luz, o município está realizando normalmente para as entidades sem fins lucrativos, conforme prevê legislação municipal.
“Através da Secretaria de Trabalho, Assistência e Cidadania, são repassados R$ 259.000,00 mil para pagamento de pessoal (recurso municipal), R$ 60.000,00 mil para custeio, ou seja, despesas de consumo (recurso estadual) e R$ 2.760,00 para custeio (recurso federal), mediante a apresentação de plano de trabalho. Os recursos são repassados através de convênio mediante a apresentação de plano de trabalho (explicitar onde serão realizados os gastos); o plano será apresentado ao Conselho Municipal da Assistência para apreciação e, após aprovação, entra em vigência com data para início e término. Ao final do convênio as entidades devem prestar contas dos recursos utilizados”, declarou.
Internos. Durante a visita ao Recanto, nossa reportagem teve autorização para conversar com três dos internos, acompanhados da irmã diretora. Maria Helena Müller, 66 anos, há 21 no asilo; Helena Fornazier, 84 anos, 20 como interna; e Geraldo Ignácio de Moura, 77 anos e há apenas um no Recanto, foram unânimes em dizer o quanto gostam de viver no local.
Mais expansivas, as duas Helenas diziam adorar as festas promovidas no Recanto – há sempre comemorações dos dias das mães, dos pais e do ancião, além das festas juninas e de Natal. “Todo fim de semana tem forró e eu gosto muito. Agora minhas pernas doem de tanto que eu dancei, porque eu tenho varizes, mas tenho medo de operar”, confessou Fornazier.
“Gosto daqui porque cada um tem seu cantinho, ninguém força a gente a fazer nada se não quiser. Sou mais reservado, prefiro observar”, contou Geraldo.
Entre uma pergunta e outra, várias piadas e lembranças, dando a impressão de que eles estão completamente alheios aos desafios enfrentados pelo local. Importante destacar que todos estavam muito limpos, com roupas novas e passadas, cabelos bem penteados e até fizeram um lanchinho (suco e biscoitos) na nossa companhia.
Notável também o carinho que eram tratados – “fale de como você gosta de dançar”, disse a irmã Maria do Rosário à Helena ou “ela já perguntou o nome de vocês, vocês não vão perguntar o dela também”, questionou aos três.
Quando partimos, impossível não dar um abraço e receber em troca um olhar que pedia “volte novamente e fique mais um tempo para conversar e rirmos mais juntos”. O Recanto dos Idosos tem sim diversas necessidades materiais e financeiras, mas a maior delas dinheiro nenhum pode comprar: sua atenção.
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