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Série mostra rotina de medo e silêncio que envolve os partos no Brasil
Por Livia Rangel
Publicado em 8 de janeiro de 2015 às 11:49
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Uma pesquisa inédita, coordenada pela Fiocruz, mostrou 52% dos partos são feitos com cesariana, sendo que, no setor privado, o percentual salta para 88%. Por outro lado, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que somente 15% dos partos sejam realizados por meio desse procedimento cirúrgico.
Mas os dados não ficaram apenas no papel e gráficos: a diretora Bia Fioretti acompanhou a coleta de dados para a pesquisa, em 2011 e 2012, viajando por todas as regiões e conversando com 174 pessoas, entre mães, pais e profissionais de saúde, em 23 instituições públicas e privadas. As entrevistas deram origem aos documentários que compõem a série “Parto, da violência obstétrica às boas práticas e Cesárea, mitos e riscos”.
“O grande mérito da pesquisa foi colocar no papel a realidade de violência que marca os nascimentos no país. Fizemos os vídeos para mostrar que, por trás de cada número do inquérito, há um rosto, uma voz”, justifica Bia.
Nos vídeos, fica evidente o quanto a escolha pela intervenção cirúrgica, em vez do parto natural, é estimulada pela reprodução de mitos e ideias equivocadas.
Mitos. “Já estava passando do prazo. Decidimos fazer cesárea para não correr o risco.” “Estava sentado. Era pélvico.” “Porque não tinha passagem.” “Porque ela estava muito gordinha.” Os motivos pelos quais optaram pela cesariana, em vez do parto natural, estão na ponta da língua das mulheres que olham para a câmera, segurando seus bebês recém-nascidos. Argumentos que revelam o quão próximos estão do medo e da falta de informação.
“Fica parecendo que é tão simples só fazer uma cesariana e que ela não tem riscos, mas isso não é verdade. A cesariana tem riscos para o bebê e para a mãe. Apresenta mais riscos de hemorragia, de infecção, de lesões que só acontecem numa cirurgia. E sabemos que, à medida que a mulher ter cesáreas subsequentes, essas cirurgias vão aumentando ainda mais o risco da gestação”, explica o obstetra Marcos Dias, em depoimento ao documentário.
Violência e maus-tratos. Os vídeos lançam luz não apenas ao alto índice de cesarianas, mas também ao uso corriqueiro de procedimentos e métodos que provocam desconforto às mulheres e, em muitos casos, são verdadeiras violências.
São práticas como a “manobra de Kristeller” — quando o médico faz pressão sobre a barriga da mulher, para expulsar o bebê — constatada em 36% dos partos. Outro procedimento comum é o uso de soro com ocitocina, hormônio sintético que acelera as contrações no útero, aumentando a dor e tornando o parto mais rápido.
“Eu não aguentava mais o soro, a dor, e me joguei no chão. Eu não tinha mais forças para levantar. A dor estava demais. Aí eu me ajoelhei no chão e lá mesmo eu urinei. O médico que viu disse que eu não tinha Deus no coração. Que aquilo ali era uma coisa horrível”, relata uma das entrevistadas.
A episiotomia, corte cirúrgico na vagina, é outro método inadequado, mas ainda muito usado no Brasil. “São práticas que não ajudam no desenvolvimento do trabalho de parto. Em vez disso, fazem com que seja mais doloroso. A episiotomia, aquele corte na vagina, não é mais recomendado hoje. Já se viu que se corta mais do que seria a fissura ou o corte que naturalmente seria feito pela saída da criança. E às vezes se cortam plexos nervosos importantes e a mulher fica com problemas depois”, esclarece, no vídeo, Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil e epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca.
Os documentários também revelam como o silêncio, desencadeado pelo medo, ainda ronda de forma decisiva a relação das mulheres brasileiras com o ato de dar à luz. Um processo de opressão que vai passando, inclusive, de geração a geração, como mostra uma das cenas, onde uma mãe descreve como alertou à filha grávida que ela deveria conter o grito: “Eu sempre dizia a ela: a dor do parto é de matar. Mas não fica fazendo escândalo, porque é pior. Eles [a equipe do hospital] vão te deixando para trás e vão te maltratar”.
Nem tudo nesta série de DVDs é, porém, desencanto. Grande parte dos vídeos mostra práticas bem-sucedidas de atenção ao parto e ao nascimento. Com a palavra, uma das mulheres que experimentaram o parto humanizado num hospital da rede pública: “As pessoas falam coisas horríveis de um parto. Que é ruim, que é desesperador. Para mim foi ruim também, foi desesperador, mas, ao mesmo tempo, maravilhoso.”
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