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Uma vida para um diploma
Por Livia Rangel
Publicado em 27 de março de 2015 às 16:06
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Ela não é daqui de Guarapari, mas seu exemplo é universal e serve para pessoas de todos os lugares e idades. Ana Fernandes Pereira foi a formanda mais festejada na colação de grau do polo de Barra de São Francisco (ES), no último sábado 21 de março. Ela teve que fazer discurso, afirma que foi mais aplaudida do que “o Flamengo em dia de jogo” e que tinha gente fazendo fila pra tirar fotografia com ela. Quem conhece a agora tecnóloga em Gestão Ambiental sabe que ela merece tudo isso. A luta para conquistar um diploma de curso superior levou 82 anos – uma vida inteira. A tecnologia trouxe o conhecimento, a alegria e centenas de amigos para a vida dessa mulher batalhadora que venceu um desafio após o outro para não desistir de um sonho.
O amor pelo estudo começou cedo, junto com as dificuldades. Ana era a caçula de uma família de oito filhos e parou de estudar no quarto ano primário. “Meu pai valorizava o trabalho, não o estudo. Naquela época, mulher só precisava saber ler e escrever”, lembra. Ela só conseguiu voltar para os cadernos depois de casada. As aulas e provas eram intercaladas com filhos e muito trabalho. Foram 11 gestações e nove crianças para criar. Para ficar perto dos livros, dona Ana montou até uma cantina na única escola de Mantena (MG), onde mora até hoje. “Emprestei panelas e cozinhei anos para os alunos e professores”, conta.
O tempo passava e Ana não desistia; estudou por correspondência. “Eles mandavam as apostilas pelo correio. Eu fui chamando minhas amigas e, quando vimos, era uma turma de doze mulheres. A gente se uniu e contratou um professor para nos ensinar”, diz ela. Aluna dedicada, ela driblava a casa, os filhos, o marido e o trabalho para ir de bicicleta até o local onde os alunos se reuniam. Foi assim que Ana concluiu o antigo ginásio, hoje Ensino Médio. “Vinte e duas pessoas fizeram a prova e só quatro passaram direto. Eu fui uma delas”, conta, orgulhosa.
Ela queria mais. Grávida de novo, resolveu cursar o Magistério, que só existia numa cidade vizinha, para onde ela ia de ônibus todos os dias. “Minha maior alegria foi dar aula para as crianças. Fui professora durante 12 anos e só me aposentei por idade porque precisava cuidar do meu pai, que estava doente. Eu tinha demorado tanto pra realizar aquele sonho que não queria parar de trabalhar de jeito nenhum”, diz ela.
Tecnologia ajudou a fazer novos amigos
Junto à aposentadoria veio uma depressão. Dona Ana não estava acostumada a ficar “sem fazer nada”. Foi então que ficou sabendo, por meio de uma amiga, que poderia voltar a estudar. “Me falaram da Unopar e eu fui correndo lá. Foi uma alegria voltar para os livros e cadernos”, lembra. Foram dois anos e meio no curso de Serviço Social, até que a dona Ana ficou sabendo que no polo de São Francisco tinha o curso de Gestão Ambiental. Dias depois ela arrumou carona para a cidade vizinha e começou tudo de novo.
“Eu me apaixonei pelo curso. Tinha que ser assim, sabe? Eu adoro natureza, minha casa parece uma floresta, tem pé de tudo: jatobá, sucupira, goiabeira, mangueira. Só não tenho pé de dinheiro”, brinca. Com a mesma determinação e curiosidade que são a sua marca, Ana se atirou à tecnologia. “Eu não domino a internet ainda. Mas isso não me atrapalhou. Quando eu tinha alguma dificuldade, o pessoal do polo e os colegas vinham aqui em casa me ajudar. Eles me mostraram como fazer pesquisas e trabalhos no computador. Eles foram uns anjos e eu os agradeci muito na formatura”, garante. Sempre rindo, ela destaca que a “tal da internet” encheu-a de novos amigos. “Tenho mais de 600 mensagens para responder, você não acredita na quantidade de amigos que eu tenho”.
Ana não para. Cuida da casa onde mora sozinha, “com Deus e as plantas”. Anda de bicicleta e ainda dirige pela pequena cidade mineira, onde todos a conhecem. Convidada para fazer uma palestra sobre a água, a nova tecnóloga do Meio Ambiente conta que está há dias fazendo pesquisas e juntando material sobre o assunto. Ela diz que está feliz, mas ainda não realizada: “Semana que vem vou fazer minha inscrição para uma pós-graduação. E depois da pós eu ainda vou ver o que fazer”.
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